Sobre hábitos, prisões e alianças

O casamento

é a única coisa que dá à mulher

o prazer de uma companhia

e a perfeita sensação de solidão

ao mesmo tempo.

– Helen Rowlandaliança

Dia desses ganhei aliança e pedido de “para sempre”. Sei que parece comum e até banal, o evento, mas cada história é uma, por mais que ao longo do caminho, muitas se pareçam. Esta não foi a primeira vez que houve uma aliança e um pedido na minha caminhada, no entanto, foi a primeira vez que pensei seriamente no assunto. Por quê? –  Fui acostumada à liberdades!

É um contrassenso, eu sei, mas nossas discrepâncias também nos constroem.

Há dois anos, era a fotografia fiel da solteira convicta que já tinha se desiludido horrores e pisoteado muitas das flores dessa estrada, mas sou teimosa. Pior! Sou difícil mesmo. Por vezes até pra mim, embora o tempo esteja finalmente servindo de amigo e ajudando-me a ficar mais confortável com meus revéses.

Enfim…foram algumas paixões e desamores pelo caminho, mas isso não me roubou a sensibilidade e cheguei até aqui: uma aliança, um pedido…e aquele medo criança, bobo mas muito real, do monstro embaixo da cama. Não sou de carregar bandeiras contra ou a favor de casamentos, simplesmente nunca fiz o gênero “moça casadoira”. Não sonhei com altares, padres, vestidos nem crianças [filhos]. Colecionei histórias pessoais ao longo do tempo. Minhas, de amigos, familiares, desafetos. Vidas! Coleção de cicatrizes e gargalhadas, mil contos, encantos, roubadas…Entre vulcão e tempestade, bonanças, mas nunca calmaria. Até que algo mudou.

Caí da escada, meu labirinto arrebentou, fiquei tonta de vez. Mudei.

Sim, faz tempo…o labirinto não se recompôs completo, mas já finjo uma linha quase reta ao caminhar. Levantei daquela queda com outro jeito, outro ritmo, mais amena. Calmaria. Sei lá, fiquei perdidinha, mas nunca fui muito encontrada. Sou dessas que, vez em quando foge até de si só para dar descanso.

Voltei. Falava da aliança e do pedido, eu sei, mas tentei desconversar, essa mania de voar liberta não me deixa.

Gosto de ser abstrata, cresci assim. Concretos mesmo, só os abraços, os afetos e algumas simplicidades. Depois de um tempão e da tal queda, a ideia! Lógica e simples, quase óbvia: eu desejei algumas “prisões”. Casa, emprego, a segurança da família materna, o chão e aquela escada no meu sonho, me despencou e percebi que…é outro tempo.

A vida me obrigou e acabei permintindo que ela me conduza. Embora eu olhe sempre a borra do café no afã de farejar perigos iminentes, mudei os quadros de lugar, aninhei meus gatos, comprei um espumante e, entre risos, recebi a aliança. Já o “para sempre”, vou ficar devendo…um dia de cada vez e vamos descobrir quanto tempo dura. 

16 comentários sobre “Sobre hábitos, prisões e alianças

  1. Sem dúvida, um dos textos mais gostosos seus que já li. Senti como se estivéssemos ao telefone e você me contando tudo isso, numa espécie de retrospectiva.

    Delícia ter presenciado cada mudança dessa em sua vida, ainda que de longe.

    E um orgulho sem fim desta alma-amiga que tanto admiro!

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  2. Somos parecidas em muitas coisas. Também nunca pensei em casamento. Nunca olhei revistas com vestidos de noiva e altares me dão arrepios. Até fui em alguns casamentos, mas dormi na maioria deles e, nunca entendi aquela choradeira toda. kkkkkkkkkk
    Enfim, acho que o para sempre não é necessário, basta o estar junto, é isso que eu coleciono.
    Adorei seu post carissima…
    bacio

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    • Seu olhar apurado é bastante importante pra mim, Lunna.
      Claro que o olhar de cada leitor é de uma importância única, cada um agrega de uma forma, mas é natural que sendo esse o seu ofício, o senso “crítico” seja mais seletivo. Obrigada pela troca.
      Feliz que tenha te alcançado.
      Beijo.

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      • Estava a dizer para a Tatiana dias desses minha cara que sinto falta do olhar apenas de leitor. rs
        Me tornei muito exigente com o que leio – se por um lado isso é bom – por outro me fez ler cada vez menos, dos blogues que lia por exemplo há um ano – só “aguento” uma pequena parte, mas me sinto satisfeita, sabe? Porque leio textos como o seu. Não é elogio rasgado, é que o menos as vezes é mais porque eu gosto “tragar” as linhas alheias e percebê-las dentro…

        bacio

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      • Penso que o mais difícil é encontrar essa vontade verdadeira de ler o que o outro escreve, principalmente quando se lê muito e muitas coisas boas.
        Houve um tempo que, para mim, era quase um “abate”, ler textos em blogs alheios porque as escritas eram repetitivas ou simplesmente mal feitas [ou feitas de forma que não me agradava, como queira], fiquei feliz quando, ao retomar o hábito da escrita publicada, encontrei textos deliciosos por aí e junto com eles, olhares generosos e interativos. Torna-se um ciclo mais feliz! Ser crítica pode ser “pesado”, sei bem. Grata pela troca de percepções.

        Beijo.

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      • Acho que tudo tem o seu peso, mas há também a leveza de se permitir olhar para as linhas que nos satisfazem e, ponto. Afinal, fazemos o mesmo com os livros, certo? Há aqueles que devoramos e, aqueles que nem a base de marretadas. rs

        bacio

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  3. Cláudia, você é um barato! Continue sempre assim. Apreciando as mudanças e só acreditando nas realidades. De resto, deixa o tempo correr, mas não faça uma competição com ele. Deixe que ele conduza, mas mostre que você tem o direito de querer ou não, ser conduzida. Você é muito mais forte que o tempo. Conte isso para ele. No fundo ele já sabe!
    Parabéns por tudo isso e que você seja muito feliz para sempre. Você é muito inteligente para entender que, com essa decisão, não perdeu a liberdade. Isso é sagrado para você.
    Um beijo,
    Manoel

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  4. Ah, a aliança é um elo. Tipo corrente que prende,algema. Mas, também pode ser laço, abraço,aconchego.Depende da terminologia que se dá à elas. Tenho algumas. Me libertam. Tenho as invisíveis,com meu beija-flor, com as borboletas, com as joaninhas. A de prata, é com o amor explosão,desejo,volúpia. A de ouro, é o amor conforto,carinho,proteção. Não me prenderam, ao contrário, me deixaram livre por que descobriram que livre, era a melhor parte de mim que fica e delira e encanta e se encanta. Não sei se é pra sempre. Há alguns dedos sem…e nos caminhos, eu trilho, sem esperar que venha,mas com a palma da mão aberta para quem chegar.
    Pra sempre é até durar.

    Lindo tudo aqui.
    Beijos

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  5. Como uma menina que laça uma nuvem, mas não quer perder o contato do chão sob os pés: foi assim que eu te vi. E como aquela que deixou escapar o fio e se rendeu à segurança do chão, quase deixei escapar uma lágrima, lendo seu texto. Abraço!

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    • Aurea, que belo o seu olhar para o texto.
      Creio que você “me leu” direitinho, pq apesar de idades, é exatamente como a menina que você descreve que me sinto ao longo dos dias.
      Obrigada pela leitura.
      Beijo,

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